UM SONHO ECOLÓGICO
João Justino Leite Filho
Eu
via o pôr-do-sol e meu lado criança entendia que o sol era uma pipa que
estava sendo recolhida do céu por alguém que havia brincado o dia
inteiro.
Minha imaginação permitiu que eu fosse
uma gaivota e tentasse acompanhar o espetáculo, de cima. Então, me
senti de asas abertas, desafiando o vento e ganhando altura.
Quando
escureceu de vez fui coruja e pela primeira vez pude ver na escuridão.
De manhã, eu, andorinha em vôos rasantes, passei a centímetros de
prédios, antenas, telhados…
Uma chuva me
surpreendeu e, encharcado, mergulhei no oceano. Fui golfinho, polvo,
fiz parte de cardumes, pesquisei as profundezas do mar, descobri
cavernas, montanhas. Desafiei meus limites como baleia e fiquei
encalhado na praia.
Sendo tartaruga me libertei
da areia e fui lentamente caminhando em direção à mata, tomei banho de
sol como crocodilo, fui ganhando patas ágeis, corpos flexíveis. Fui
leopardo, tigre, antílope. Acho que tive o pescoço mais comprido do
mundo, depois brinquei com a minha tromba, pensei em me ver no espelho
e fiz muitas macaquices.
Dancei nos desertos como avestruz e, porque a sede bateu, fui camelo e me saciei no meu próprio reservatório.
Dei
sustos, quando fui hipopótamo, brinquei bastante como foca, vivi bons
momentos com rinoceronte e fico emocionado quando me recordo da minha
vida de chinchila nas montanhas do Peru e do Chile.
Migrei como cegonha, vi Deus nos nascimentos.
O
frio e o cansaço fizeram de mim um urso sonolento se preparando para
hibernar. Dormi o mais longo dos sonos e acordei pensando em continuar
experimentando vidas irracionais.
Só que meu lado racional me mostrou os riscos que eu havia corrido.
Os
homens podiam ter acabado com a minha vida de hipopótamo, interessados
na minha pele e no marfim dos incisivos. Podiam ter me fuzilado em
plena dança de avestruz, visando minhas longas penas brancas para
fazerem enfeites.
Se me encontrassem como foca,
ou me matariam para confeccionar roupas esportivas com a minha pele, ou
me levariam para fazer gracinhas que dão dinheiro. Minha preciosa vida
podia ter sido abreviada por um arpão.
Pobre de mim se tivessem me visto como chinchila, como leopardo, como irracional.
Corri sérios riscos de ser enjaulado, engaiolado, castrado, embalsamado. Como cegonha eu estaria migrando para o fim.
Corri sérios riscos de ser enjaulado, engaiolado, castrado, embalsamado. Como cegonha eu estaria migrando para o fim.
Por segurança, fui me levantando como ser humano e meu lado realista me disse: Muito cuidado com os homens!
Fonte: Blog do Prof. Rafael Porcari
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